A CRENÇA NA ÉTICA E NA MORAL– A HIPOCRISIA DA SOCIEDADE E DAS EMOÇÕES CONDICIONADAS

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Não deliberamos sobre as estações do ano, o movimento dos astros, a forma dos minerais ou dos vegetais. Não deliberamos e nem decidimos sobre aquilo que é regido pela Natureza, isto é, pela necessidade. Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e acontecer, depende de nossa vontade e de nossa ação. Não deliberamos e não decidimos sobre o necessário, pois o necessário é o que é e o que será sempre, independentemente de nós. Deliberamos e decidimos sobre o possível, isto é, sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser, porque para ser e acontecer depende de nós, de nossa vontade e de nossa ação.O Racionalismo Ètico não é a única concepção filosófica da moral. Uma outra concepção filosófica é conhecida como Emotivismo Ètico. Para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão, mas a emoção. Nossos sentimentos são causas das normas e dos valores éticos. Inspirando-se em Rousseau, alguns emotivistas afirmam que a bondade natural de nossos sentimentos e de nossas paixões,  são, por isso, a forma e o conteúdo da existência moral, como relação intersubjetiva e interpessoal. Outros emotivistas salientam a utilidade dos sentimentos ou das emoções para nossa sobrevivência e para nossas relações com os outros, cabendo à ética orientar essa utilidade de modo a impedir a violência e garantir relações justas entre os seres humanos.

Há ainda uma outra concepção ética, francamente contrária à racionalista (e, por isso, muitas vezes chamada de irracionalista), que contesta à razão, o poder e o direito de intervir sobre o desejo e as paixões, identificando a liberdade com a plena manifestação do desejante e do passional. Essa concepção encontra-se em Friedrich Nietzsche  e em vários filósofos contemporâneos.

Embora com variantes, essa concepção filosófica pode ser resumida nos seguintes pontos principais, tendo como referência a obra nietzscheana.Vejamos a  genealogia da moral:

– a moral racionalista foi erguida com finalidade repressora e não para garantir o exercício da liberdade;

– a moral racionalista transformou tudo o que é natural e espontâneo nos seres humanos em vício, falta, culpa, e impôs a eles, com os nomes de virtude e dever, tudo o que oprime a natureza humana;

– paixões, desejos e vontade referem-se à vida e à expansão de nossa força vital, portanto, não se referem, espontaneamente, ao bem e ao mal, pois estes são uma invenção da moral racionalista;

– a moral racionalista foi inventada pelos fracos para controlar e dominar os fortes, cujos desejos, paixões e vontade afirmam a vida, mesmo na crueldade e na agressividade.Exemplificando melhor, imaginemos um homem tentando proteger sua família da violência urbana, ou uma mãe protegendo seus filhos de algum agressor?Poderemos chamar isso de crueldade ou julgá-los por um ato agressivo e mau?Isso não é uma forma também de afirmar a vida,garantindo direito á ela á todos os agredidos?Esse ato, também é um ato de força.  Por medo da força vital dos fortes, os fracos condenaram paixões e desejos, submeteram a vontade à razão, inventaram o dever e impuseram castigos para os transgressores;

-transgredir normas e regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia. Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista, inventada pelos fracos, transformou a transgressão em falta, culpa e castigo;

– a força vital se manifesta como saúde do corpo e da alma, como força da imaginação criadora. Por isso, os fortes(de caráter e espírito) desconhecem angústia, medo, remorso, falsa humildade, inveja. A moral dos fracos, porém, é atitude preconceituosa e covarde dos que temem a saúde e a vida, invejam os fortes e procuram, pela mortificação do corpo e pelo sacrifício do espírito, vingar-se da força vital;

– a moral dos fracos é produto do ressentimento, que odeia e teme a vida, envenenando-a com a culpa e o pecado, voltando contra si mesma o ódio à vida;

– a moral dos ressentidos, baseada no medo e no ódio à vida (às paixões, aos desejos, à vontade forte), inventa,interesseiramente(não para dar um alento espiritual,mas para tirar proveito), uma outra vida, futura, eterna, incorpórea, que será dada como “recompensa” aos que sacrificarem seus impulsos vitais e aceitarem os valores dos fracos;

– a sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os enfraqueçam e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente;

– é preciso manter os fracos, dizendo-lhes que o bem(o que a sociedade caracteriza como bem para ela) é tudo o que fortalece o desejo da vida e o mal tudo o que é contrário a esse desejo,(a eterna manipulação destes conceitos bem e mal)

No caso específico da ética, estudando a psicanálise, ela mostrou que uma das fontes dos sofrimentos psíquicos, causa de doenças e de perturbações mentais e físicas, é o rigor excessivo do Superego, ou seja, de uma moralidade rígida, que produz um ideal do Ego (valores e fins éticos) irrealizável, torturando psiquicamente aqueles que não conseguem alcançá-lo, por terem sido educados na crença de que esse ideal seria realizável.

Quando uma sociedade reprime os desejos inconscientes de tal modo que não possam encontrar meios imaginários e simbólicos de expressão, quando os censura e condena de tal forma que nunca possam manifestar-se, prepara o caminho para duas alternativas igualmente distantes da ética: ou a transgressão violenta de seus valores pelos sujeitos reprimidos, ou a resignação passiva de uma coletividade neurótica, que confunde neurose e moralidade.

Em outras palavras, em lugar de ética, há violência; por um lado, violência da sociedade, que exige dos sujeitos, padrões de conduta impossíveis de serem realizados e, por outro lado, violência dos sujeitos contra a sociedade, pois somente transgredindo e desprezando os valores estabelecidos poderão sobreviver.Em suma, sem uma educação para uma sexualidade saudável, não há sociedade nem ética, mas a excessiva repressão da sexualidade destruirá, primeiro, a ética e, depois, a sociedade.


O que a Psicanálise propõe é uma nova visão social que harmonize, tanto quanto for possível, os desejos inconscientes, as formas de satisfazê-los e a vida social. Essa visão, evidentemente, só pode ser realizada pela consciência e pela vontade livre, de sorte que a psicanálise procura fortalecê-las como instâncias moderadoras do Id e Superego. Somos éticamente livres e responsáveis, não porque possamos fazer tudo quanto queiramos, nem porque queiramos tudo quanto possamos fazer, mas porque aprendemos a discriminar as fronteiras , tendo como critério ideal a ausência da violência interna e externa.

Toda cultura e cada sociedade institui uma” moral”, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros(?). Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social(!).

Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres(?). Dessa maneira, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e intemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos.(!)

Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados (as religiões tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados pelos deuses,na origem dos tempos). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos – donde, ética – e, em latim, mores – donde, moral. Em outras palavras, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, “são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros”.

 Se agora, tomarmos como referência um filósofo do século XVII,Espinosa , veremos o quadro alterar-se profundamente.

Para Espinosa, somos seres naturalmente passionais, porque sofremos a ação de causas exteriores a nós. Em outras palavras, ser passional é ser passivo, deixando-se dominar e/ou conduzir por forças exteriores ao nosso corpo e à nossa alma,nem sempre ruins, nem sempre perfeitas. Ora, por natureza, vivemos rodeados por outros seres, mais fortes do que nós, que agem sobre nós. Por isso, as paixões não são boas nem más: SÃO NATURAIS. Três são as paixões originais: alegria, tristeza e desejo. As demais derivam-se destas. Assim, da alegria nascem o amor, a devoção, a esperança, a segurança, o contentamento, a misericórdia, a glória; da tristeza surgem o ódio, a inveja, o orgulho, o falso arrependimento, a falsa modéstia, o medo, o desespero, o falso pudor; do desejo puro e sincero provém a gratidão, a positividade,o amor verdadeiro e a paixão, na acepção mais sublime da palavra;da paixão pelos instintos mais baixos, advém o sexo em sua forma mais inferior e todos os vícios que corrompem e degradam o ser humano.

Uma paixão triste é aquela que diminui a capacidade de ser e agir de nosso corpo e de nossa alma; ao contrário, uma paixão alegre aumenta a capacidade de existir e agir de nosso corpo e de nossa alma. No caso do desejo, podemos ter paixões tristes (como a crueldade, a ambição, a avareza) ou alegres (como a gratidão e a ousadia).

Egoísmo, agressividade, avareza, busca ilimitada de prazeres corporais, sexualidade sem freios, mentira, hipocrisia, má-fé, desejo de posse (tanto de coisas como de pessoas), ambição desmedida, crueldade, medo, covardia, preguiça, ódio, impulsos assassinos, desprezo pela vida e pelos sentimentos alheios são algumas das muitas paixões que nos tornam incapazes de relações decentes e dignas com os outros e conosco mesmo. Quando cedemos a elas, perdemos o autocontrole e deixamos de vivenciar as coisas reais, para viver de ilusões. A ética apresenta-se, assim, como trabalho da inteligência e/ou da vontade para dominar e controlar essas paixões.

O desejo é paixão. A vontade, decisão. O desejo nasce da imaginação. A vontade se articula à reflexão. O desejo não suporta o tempo, ou seja, desejar é querer a satisfação imediata e o prazer imediato. A vontade, ao contrário, realiza-se no tempo; o esforço e a ponderação trabalham com a relação entre meios e fins e aceitam a demora da satisfação. Mas é o desejo que oferece à vontade os motivos interiores e os fins exteriores da ação. À vontade cabe a educação da qualidade do desejo. Na concepção intelectualista, a inteligência orienta a vontade para que esta eduque o desejo. Na concepção voluntarista, a vontade boa tem o poder de educar o desejo, enquanto a vontade baseada em falsos valores submete-se a ele e pode, em muitos casos, pervertê-lo.

A ÉTICA E O AMOR NOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS

As relações humanas têm como pacto principal o Amor.  Seja este Amor filial, fraternal, parental ou carnal. É o amor que aproxima as pessoas. A aceitação e a admiração são expressões deste Amor. Quando nos sentimos aceitos e admirados por alguém, nos sentimos amados e quando ainda por cima isso é recíproco, mais do que nunca queremos manter esta relação. O grande problema é que só amor (o que já não é pouco numa relação) não basta, porque em nome deste amor que é dado, muitas vezes são exigidas coisas que não são do direito e nem legitimadas pelo Amor. Percebemos as invasões dos espaços do outro em nome do Amor, sentimos o desrespeito em nome deste Amor. Portanto, além de Amor, uma relação não sobrevive sem o Respeito. É fundamental respeitar a individualidade do outro, bem como nos respeitar; respeitar nossa individualidade na relação com o outro. Outro ingrediente imprescindível em qualquer relação é a Confiança. Sem confiança não investimos, não nos envolvemos e não nos entregamos em nada. Sem confiança a relação fica estabelecida na superficialidade, sem nunca saber, realmente, com quem estamos e quem está conosco não sabe, de verdade, quem somos.

Mas, para que haja respeito e confiança numa relação é absolutamente fundamental que haja Educação. E o que é Educação? Eu chamo de se ter Educação quando a pessoa tem um mínimo de consciência de seus limites – direitos e deveres ­ enquanto indivíduo, em toda e qualquer situação de vida – ou seja, noções básicas de ética. Hoje é justamente pela deficiência de parâmetros claros e definidos de tais limites, que as pessoas estão muito mais autocentradas em suas próprias necessidades. Não estão conseguindo pensar no outro, nas necessidades do outro e, consequentemente, não confiam que o outro genuinamente possa fazê-­lo também. Estão todos vivendo pelo princípio do prazer, como diria Freud ; porque lidar com a realidade realmente não é fácil. As pessoas querem ter tudo, mas não querem dar nada: querem viver e experimentar tudo o que a vida se lhes apresenta, mas não querem assumir nenhum compromisso e responsabilidade sobre isso, como qualquer adulto saudável faria. Isto é princípio do prazer. Viver o bem bom da vida sem qualquer comprometimento de sua parte. Está faltando – coletivamente – maturidade para viver a vida realisticamente. Falta o desenvolvimento de valores verdadeiros e éticos na relação com a vida e, consequentemente, na relação com as pessoas.

ENTÃO, VAMOS NOS QUESTIONAR MAIS?

Para aqueles que ainda vivem em total inconsciência, é praticamente impossível perceber quem verdadeiramente são, do que e do que necessitam para serem felizes. Para eles, a vida se resume em seguir uma direção que lhes foi determinada, inicialmente pela família e, mais tarde, pela sociedade. Eles seguem a trilha sem jamais questionar o porquê dela não os estar levando na direção da felicidade. Nunca se perguntam sobre as razões desta discrepância. E, a menos que algum acontecimento verdadeiramente devastador lhes aconteça, continuarão a interpretar seu velho papel, até o final da vida.

Alguns, após vivenciarem uma experiência que lhes retire toda a base de segurança que acreditavam possuir, começam lentamente a desconfiar de que existe algo errado com suas convicções. Descobrem que elas já não servem para fazê-los voltar à antiga situação de conforto, quando a ilusão e a inconsciência predominavam. Embora este seja um processo extremamente doloroso, ele é, ao mesmo tempo, muito libertador. Pois, a partir daí, se torna possível que comecem a busca, aquela que os levará ao encontro de sua verdade mais profunda. Quando passamos a questionar quem de fato somos,no que acreditamos,como reagimos aos acontecimentos de nossa vida de verdade e não pela cabeça dos outros, estas perguntas se tornam a base para toda e qualquer diretriz que possamos dar à nossa vida.

Crenças e valores arraigados caem por terra,deixando -nos com um vazio, que aos poucos passa a ser preenchido por nossas verdadeiras necessidades, aquelas que emergem do ser real, e não mais daquele que foi moldado para adaptar-­se convenientemente aos valores do mundo. A viagem se torna cada vez mais perigosa, pois exigirá de nós coragem, determinação e um desejo profundo de ir ainda mais fundo nesta descoberta. Entretanto, voltar atrás se torna impossível, pois o novo ser que acabamos de conhecer, jamais se moldará novamente à máscara que nos ensinaram a usar para ocultá-­lo.

Deixamos aos leitores  uma reflexão sobre esses conceitos,reafirmando a necessidade de cada um de reavaliar suas crenças, suas atitudes e valores de vida em sociedade, em família, na vida particular e em todos os relacionamentos afetivos.O objetivo desta série é o despertar de cada um, de acordo com os valores adotados pelo nível consciencial em que cada um está, que não é necessariamente o que a sociedade espera e prega.O importante é a liberdade de escolha com responsabilidade pelos atos cometidos, pelas atitudes tomadas, pelas vontades,pelos desejos e pelas paixões de cada um.

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A moralidade se preocupa com ideais ­ como você deveria ser, o que você deveria ser. Portanto, moralidade é basicamente condenação. Você nunca é o ideal, então, você está condenado. Toda moralidade é criadora de culpa. Você pode nunca tornar-­se o ideal; você está sempre ficando para trás. A distância estará sempre lá, ­ porque o ideal é o impossível; e através da moralidade se torna mais impossível. ~OSHO

Nota;A imagem refere-se á passeata em Paris pelos líderes do G1, em apoio ás vítimas do atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo. Como dizia Jean-Paul Sartre;“Pour connaître les hommes,il est essentiel de les voir acte”(Para conhecer os homens, torna-se indispensável vê-los agir).

E “Vive La Hypocrisie”.

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Bibliografia para consulta

Ètica e Consciência Moral na Psicanálise
Camila Junqueira
Moral e Ètica-Dimensões Intelectuais e Afetivas
Yves de La Taille
Ètica, Direito , Moral e Religião no Mundo
Fábio Konder  Comparato
Além do Bem e do Mal
Friedrich Nietzsche

Divulgação: A Luz é Invencível

Um comentário em “A CRENÇA NA ÉTICA E NA MORAL– A HIPOCRISIA DA SOCIEDADE E DAS EMOÇÕES CONDICIONADAS

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